sábado, 29 de agosto de 2009

Não serei um novo Alfred Dreyfus!


Nos indefinidos dias de Bénerville-sur-mer, cidadezinha ao sul da França, Alberto Santos-Dumont, inventor brasileiro, 41 anos, convivia, ou pelo menos tentava, com um diagnóstico precoce da esclerose múltipla. Uma doença que sentia matá-lo aos poucos.

Todo o entusiasmo daquelas épocas em que cruzava os céus de Paris parecia não fazer mais sentido algum. Sua alegria de viver parecia esvair-se tão desbotadamente quanto as fotos que registraram aqueles espetaculares feitos heróicos do bandeirante dos ares, um apelido recebido de Thomas Alva Edison.

E agora, essa suspeita imbecil de que fosse um espião de Guilherme II, o poderoso Kaiser alemão.

Não serei um novo Alfred Dreyfus! Impossível para Alberto, naquele momento, não se lembrar do caso Dreyfus. O repercutido Dreyfus Affair, um escândalo político que dividiu a opinião pública na França por vários anos.

Alfred Dreyfus, judeu, oficial de artilharia do exército francês, era de fato inocente. Mas, em 1894, julgado por acusação de espionagem, foi condenado e deportado para uma prisão na Ilha do Diabo a 43 km de Caiena, capital da Guiana Francesa. Somente em 1906, depois de 12 longos anos, provada a sua inocência, Alfred Dreyfus seria reintegrado às forças armadas ao receber a Ordem da Legião de Honra do Estado Francês. Agora, era um telescópio o motivo de acusação a mais um estrangeiro.

Do Capítulo 4 do romance Santos-Dumont Número 8: O Livro das Superstições, de C. S. Soares

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Marcel Proust, ilustre morador da quadra entre as avenidas Thuias e Transversale, número 2, no Pére Lachaise



Marcel Proust, ilustre morador da quadra entre as avenidas Thuias e Transversale, número 2, no Pére Lachaise, constatara, no olho do furacão daqueles tempos perdidos, que a verdadeira viagem do descobrimento não consistiria em ver novas paisagens, mas sim, ver as mesmas paisagens com novos olhos. Os infalíveis olhos da alma.

Quando os jornais da época, como o brasileiro Jornal do Commercio, os franceses L’Illustration, La Nature e Le Matin ou o americano New York Herald, entre tantos outros, publicavam matérias como “O Senhor Santos-Dumont não deseja construir aeroplanos para vender”; “Não requererá patente”; “Põe o modelo à disposição de todos” talvez não se imaginasse que os ventos do litoral em breve soprariam trazendo tempos difíceis, tempos de incerteza, e o cheiro da morte e do fim das ilusões de toda uma época. Mas isso estava além de todas as vontades que Santos-Dumont pudesse ter.

Aquelas acusações que sofreu, no final, não deram em nada. O mal-entendido logo seria desfeito. Alguns pertences confiscados naquele dia nefasto, em que as tropas invadiram sua casa, foram logo devolvidos. Mas aqueles momentos de extrema amargura só pioraram sua já debilitada saúde mental. Os pedidos formais de desculpas provenientes do governo francês foram completamente ignorados, pois o estrago literalmente já estava feito.

Do Capítulo 4 do romance Santos-Dumont Número 8: O Livro das Superstições, de C. S. Soares